Eu não quero enlouquecer.
Eu não quero perder o rumo, se é que ainda tenho um.
Preciso manter essa sanidade social disfarçada.
Por mais que todos nós estejamos doentes, loucos, insanos, eu não posso acordar.
Devo permanecer como eles.
Dopados.
A sensação de vertigem me alucina.
Não aguento mais sentir.
Ela brota por todos os poros, desenfreada, incontrolável.
Como estar sempre a cair, mas não bater em lugar algum.
Cair, cair e cair.
Sem fim, sem destino.
Se ao menos pudesse ser como antes.
Letárgico.
Acreditar que há um sentido em nascer, crescer, reproduzir e morrer.
Acreditar em um Deus.
Acreditar na humanidade.
Crer no que for.
Apenas, crer.
Nunca abrir os olhos.
Ou pensar que se abriram os olhos.
Permanecer na pelagem do coelho, na calmaria da consciência vã.
Mergulhar jamais.
Não ousar escalar.
Inerte na fé cega que move montanhas, e que já não me move.
Flutuar ao sabor do vento, o qual já não me sustenta.
Não sou mais um na imensidão sem cor.
Porém, ainda não sei quem sou.
Se, sou...
Ao percorrer o Estige,
perceberás que Caronte há muito abandonou sua lida.
Ouvirás o fulgor da correnteza a passar.
Verás muitos como tu, porém todos cegos, em lúgubre procissão.
Ao teu nariz, queimará o acre do enxofre.
Sentirás...
Não!
Não sentirás nada.