Pequeno Conto Soturno (1)

Nada mais do que um pão mofado. O único alimento que resta.
No pequeno apartamento, entre a mobília velha e puída, o cheiro de perfume barato ainda me atormenta. É o perfume daquela vadia.
Esse odor que me assombra a todo o momento.
Como um fantasma, um maldito fantasma.
Há 6 dias ela partiu, não levou nada de si. Levou tudo de mim.
E não que eu ainda a ame, muito pelo contrário.
A detesto com cada gota de meu sangue.
Após tudo o que eu fiz por ela, todo o sacrifício, ela me abandona sem dizer uma única palavra.
O celular dela toca. Ele sempre toca...
- Alô?
- Quem fala?
- Quem fala você?!
- Pedro. Cadê a Virgínia?
- Não interessa.
- Não sabe se ela está disponível agora à noite?
- Nem agora a noite, nem nunca mais! Esquece esse número filha da puta!
- Hey, relaxa...
Era a terceira vez apenas hoje. Eu atendi todas elas.
Atenderei todas as próximas até que a esqueçam.
Sei que não a possuo mais, mas também sei que ela nunca mais sairá daquela cama.

Ode ao Pequeno Homem

Meu olhar perde-se vago, distante.
Berlim permanece a mesma. Entre o concreto bruto, almas vêm. Almas vão.
Nenhuma que me traga sentido. Não aqui, nem agora. Não mais agora.
Na sala tenramente iluminada pelo fim de tarde, o cigarro continua a queimar entre meus dedos. Enquanto a brisa fria adentra pela janela, como um arauto de outra tempestade.
Em meio à dispersão de meus sentidos, refugio-me em meus pensamentos, em meu coração.
Tudo está tão claro. Simples e compreensível.
Nunca, em tempo nenhum ou canto algum, o homem encontrou verdadeiro sentido para seus anseios.
Das vãs crenças religiosas aos mais engenhosos discursos filosóficos apenas encontram-se máscaras.
Tão humanas e etéreas que nada mais são do que gritos de afirmação jogados ao vento. Os quais fazem questão de ecoar ao sabor do tempo.
Pronunciados pelos célebres senhores do momento, são tão ímpios que a mais frágil inteligência humana pode, ao abrir os olhos da alma, desmembrar suas maquinações.
O homem é o senhor do homem. E não Sr. Immanuel Kant, a humanidade não caminha para uma compreensão racional superior.
A vida humana está no limbo. Fragmentada em milhares de corações incrustados em carne e ossos que sustentam irrisórias porções de razão. Estas que, de tão multifacetadas, nunca encontrarão a verdade sobre si, quem dirá então sobre todas as coisas.
Contudo, a libertação pode ser quase que palpável. Ela inicia-se na negação a razão humana como fonte de conhecimento sobre si e o mundo. Transforma-se na aceitação da vida terrena como parte intermediária do processo evolutivo e encerra-se na crença a completude extraterrena, onde todas as almas tornam-se una.
Quando esta compreensão surge, o momento de libertação ganha forma.
Não há nada mais que me prenda nesse purgatório mundano de prazeres carnais e sofrimento. Os prazeres desvaneceram-se todos.
Das mais variadas, intensas, formas que sorri e gozei nessa vida, não houve nenhuma que não tenha sido acompanhada de brutal pesar. Pois quando mais alto meu gargalhar soou, em maior calar o meu chorar retumbou.
Estive imerso nesse retórico ciclo por muito tempo, até que os prazeres, em mim, cessaram de brotar. Então, a dor abandonou uma de suas moradas.
Como pedra despojei-me de qualquer sensação. Construí abrigo nos desertos de meu coração e minha razão. Em suas fragilidades, encontrei o único desejo que norteia-me: redenção.
Já não posso mais negá-lo.
A quem possa ler esse desabafo, espero que, ao menos, algum dia ele lhe faça sentido. Nesse momento, estaremos unidos. Eu estarei te esperando. Como chuva que, em fim de tarde, materializa-se e cai.


Pequeno homem.
Berlim, 25 de agosto de 2010.