Memorando

Vocês já ouviu falar em “memorando”?

Não?

Ótimo, pois vou explicar (caso você saiba do que se trata, pode pular as próximas 03 linhas).

O memorando é a forma de comunicação interna da administração, principalmente, pública. Pauta-se pela agilidade de tramitação, onde pedidos, diretrizes ou ideias são transmitidas com celeridade e de forma a possibilitar seu registro.

Acontece que no memorando tudo é escrito no cantinho. Ele chega, é analisado, o procedimento é realizado ou não e, então, ele é despachado para algum outro setor.
Até que alguém decida que ele não tem mais utilidade, faz dois furinhos no cantinho e o arquiva. Senão rasga ele mesmo e joga no lixo. Vai da pessoa, vai do dia.
Tô falando isso porque acabei de despachar o quarto hoje. E não são nem 10 horas da matina. O dia tá frio, nublado e o café hoje tá insosso. Ah, também, é terça-feira, a moça da cozinha deve tá sem saco.

Excelente.

Eu despacho tanto memorando que já nem lembro o que escrevi no primeiro do dia. Só sei que rabisquei bastante, a letra com aquela cara de quem não queria sair de casa, ou melhor, do tubo da caneta. Acho que não tinha necessidade de escrever tanto, mas a vontade de foder com o próximo foi maior.

Admito.

No serviço público é assim. Tem gente que se esforça, tem gente que não faz nada e tem gente que só quer foder os outros. Mas a maioria é tudo junto mesmo, vai do dia. A gente se acostuma.

Voltando ao memorando, esse último me fez pensar.
Não sobre o conteúdo ou os rabiscos. Me fez pensar que cada memorando é como uma pessoa na vida da gente. Ele vem, chega na tua mesa, com seu conteúdo e rabiscos próprios. Aí, tu lê, pensa, te envolve com ele. Até que decide, age, marca ele a caneta com o que acha ser o correto e passa adiante. Para outro setor, para outro alguém. Isso se tu não colocar ele no arquivo. Ou na lixeira, tanto faz.

Exatamente como as pessoas.

Depois que passam por ti estarão sempre marcadas, a tinta, a risco. E o que elas trazem fica na tua cabeça, na minha.

Até a próxima chegar.
Antes do café esfriar.


Como os memorandos.

6 comentários:

Gabriela Pecantet. | 30 de maio de 2011 às 01:56

''As pessoas esquecerão o que você disse. As pessoas esquecerão o que você fez. Mas elas nunca esquecerão como você as fez sentir.'' Adorei teu texto, muito criativo! Parabéns, Thales!

SonhoCaro | 30 de maio de 2011 às 01:59

Ou tu risca bastante a pessoa e manda pra foder os outros. iahohaisehioaes

Natália Coelho | 30 de maio de 2011 às 14:39

Muito bom Thales! Sério mesmo, amei!

Thales Vieira | 31 de maio de 2011 às 10:50

Valeu pelos comentários pessoal. Fico feliz que gostaram do meu "memorando" pra vocês! hahahah
Muito obrigado!

gui | 31 de maio de 2011 às 16:11

Muito bom! Gosto muito de textos assim porque o cotidiano é flexível e condescendente e justamente por isso é preciso grandeza de espírito para desenhar — creio que esta palavra é empregada com mais propriedade do que "apreender" — estes matizes.

De imediato, lembrou-me um conto de Borges em que um homem se empenhou a encontrar Deus, creio, pelas marcas que ele havia deixado naqueles com quem se encontrara. Assim, parece-me que este homem procurava as várias pessoas que estiveram na presença de Deus para tentar conhecer este mesmo Deus.

Essa ideia de marcas me fascina há alguns anos já. Em 2009 rabisquei algo parecido. Se te interessar, o link é este: http://escritosdofimdanoite.blogspot.com/2009/05/nota-de-agradecimento.html

Abraços!

Thales Vieira | 20 de junho de 2011 às 09:49

G.T.
Li teu texto, adorei! Interessante como tivemos ideias semelhantes mas, ao mesmo tempo, distintas. Tu construindo a analogia com a complexidade do livro e eu com a banalidade do memorando.
Obrigado pelo comentário meu velho!
Abraços!