Pelúcia e Água

Eu sabia que não seria fácil tocar uma gravidez sozinha, ainda mais com apenas dezesseis anos, estando no segundo ano do médio e tendo que trabalhar desde os meus quinze.
Mas, nem por isso, eu desisti.
E se tem algo que me orgulho em minha vida é disso.
Há quatro anos nascia o amor da minha vida, a Luiza.
Com "Z" mesmo, pois foi assim que o Tom escreveu.
Eu era jovem, pobre, mãe amadora e apaixonada. A partir do momento em que a colocaram no meu colo, pela primeira vez, soube que a minha vida era dela.
E a vida dela era a minha.

Minha mãe sempre me falava isso. Me alertava que, do nascimento da Luiza em diante, o sentido da minha vida nunca mais seria o mesmo. E não foi.
Desde seu nascimento, moramos as três num pequeno chalé perto da lagoa.
Casa modesta. Casa limpa.

Luiza, assim como eu, cresceu perto da água. E a minha mãe, volta e meia, me diz que a carinha que ela faz quando volta do mergulho é igual a que eu fazia, há anos atrás, naquela mesma lagoa.
Ela não desgrudava daquela lagoa no verão e eu, mãe boba que ainda sou, sempre fiz todas as suas vontades.
Desde que ela era pequeninha, de caber numa caixa de sapato, eu juntava o que conseguia das minhas economias só para mimá-la.

Ela fica numa felicidade sempre que ganha alguma coisa.
Coisa de criança.
Mas ama, mais que qualquer presente, um ursinho de pelúcia.
Coisa de Luiza.

Com seus quatro anos ela já tem mais ursinhos do que eu tive na minha vida toda.
Me orgulho disso.
Ontem dei um lindo pra ela, daqueles bobinhos, segurando um “eu te amo”.
Foi a resposta que eu ouvi. A melhor resposta do mundo.
Ela não soltou aquele ursinho a noite toda.
Dormiu abraçada nele, abraçada em mim.


Dividida, linda, Luiza.


Acordou assustada hoje.
Acordou na água.
A água que ela tanto amava, veio intransigente, preta.

Suja.

Invadiu nosso sonho com pressa, com força.
Sem convite, levou música, poesia, fotografia.
Levou as nossas pelúcias.

Por Deus, me deixou Luiza.
Agarrada a meu pescoço como um animalzinho amedrontado, indefeso.
Aquela não era a água de Luiza. Nunca mais seria.
Na confusão diabólica de nossa manhã, perdi minha mãe.
Só lembrei Luiza.
Minha mãe saberia que seria assim.
São 08:13 da manhã e ainda não a encontrei.

Só sei que tenho Luiza.
Tenho amor.



São Lourenço do Sul, RS, 10 de março de 2011.




* Créditos a bela imagem para a amiga e talentosa fotógrafa Andressa Barros, confira mais do seu trabalho em: flickr

** Nota: Esse texto é dedicado à todos os lourencianos que ficaram, em corpo ou saudade. Aos que, com amor, reconstruíram.

5 comentários:

Isabella M. Heemann | 25 de junho de 2011 às 13:58

Sem palavras, Thales!

Gregory W.C. | 25 de junho de 2011 às 23:39

De chorar.

Gabriela Pecantet. | 26 de junho de 2011 às 00:42

Mas bá... sem palavras(2), muito bonito!

gui | 27 de junho de 2011 às 20:36

Velho, já li esse texto umas quatro vezes e ainda não consegui comentar nada à altura. Registro aqui o meu fracasso em descrever o quão incrível ficou.

Abraço!

Thales Vieira | 4 de julho de 2011 às 23:31

Obrigado a todos vocês queridos, de coração!